Entrevista com a irmã canossiana Severina Motta
ROMA, domingo, 10 de abril de 2011 (Zenit.org) – A irmã Severina Motta é uma missionária canossiana que esteve por mais de 40 anos na África. Ela passou mais de 12 anos vivendo no Sudão, onde se encontrou com a “sua santa”, Santa Bakhita.
Bakhita é a primeira santa do Sudão; e ganhou fama internacional, especialmente após a menção de Bento XVI a ela, em sua encíclica “Spe Salvi”.
Também inspirou a conversão de um prisioneiro no corredor da morte em Oregon, que iniciou um projeto de apoio às canossianas.
Nesta entrevista concedida ao programa de televisão “Deus chora na terra”, da ‘Catholic Radio and Television Network’ (CRTN), em colaboração com a Ajuda à Igreja que Sofre, a irmã Severina fala sobre sua vocação missionária e sobre a santa que ensinou aos sudaneses como perdoar seus inimigos.
– Você sempre quis ser freira missionária?
Irmã Severina: Eu sempre quis ser religiosa, embora não especificamente missionária.
– Queria ser religiosa aqui?
Irmã Severina: Eu queria ser freira na Itália. Eu passei por uma tremenda luta. Cedi quando soube que era o que Jesus realmente me pedia: ir entre os jovens que não têm ninguém para cuidar deles.
– Qual foi o momento em que você disse: “Sim, Senhor, irei”?
Irmã Severina: Foi em um momento especial de oração no noviciado. Na capela, havia um grande crucifixo que aponta para algumas ovelhas e, sob a imagem, estavam as palavras: ‘Euntes in Universum Mundum’ – Ide ao mundo inteiro. O dedo parecia apontar para mim, era a minha vez de unir-me aos missionários. Então, eu concordei. Foi muito difícil, mas tenho que dizer que foi muito gratificante.
– Olhando para trás em sua vida, você teria feito algo diferente?
Irmã Severina: Não, eu teria feito a mesma coisa.
– Por que a África?
Irmã Severina: Na verdade, eu não escolhi a África. Vamos para onde somos enviados, mas, depois que eu disse “sim” ao Senhor, meu maior desejo era estar entre os mais pobres, para compartilhar sua vida e trabalhar com eles, para encontrar meios e maneiras de melhorá-la. Eu tenho que dizer que fui privilegiada, porque em todos os lugares em que estive, todos os elementos essenciais da vida não existiam. Sem meios de comunicação, sem estradas em condições, sem água potável, sem eletricidade, apenas as pessoas ricas tinham isso.
– Eu gostaria de falar um pouco sobre a Irmã Bakhita, Santa Bakhita agora, que na comunidade é chamada de “santa mãe morena”.
Irmã Severina: Sim, Bakhita era uma criança de Darfur, no Sudão, que, aos 7 anos de idade, foi sequestrada e vendida como escrava. Mas ela não aceitou a sua situação. Ela escapou com uma outra menina, mas foi capturada e revendida, e esta situação se repetiu 5 vezes. Bakhita passou de um amo para outro pior, até que caiu nas mãos de um funcionário turco muito cruel. Este homem fez 114 profundos cortes em seu corpo, esfregando sal neles, deixando-a em agonia durante semanas. Depois disso, ela foi comprada pelo cônsul italiano em Cartum, que a levou ao seu país. Ele a entregou como babá à esposa de um amigo. Já na Itália, Bakhita não só encontrou a liberdade, mas o respeito e amor, mas, acima de tudo, descobriu Deus. Mais tarde, ela foi batizada e pediu para entrar na nossa congregação. Ela viveu uma vida simples – morreu em 1947, em Schio -, mas uma vida de bondade, humildade, mansidão e profunda espiritualidade. O Papa João Paulo II a reconheceu como santa em 1º de outubro de 2000.
– Santa Bakhita tocou a vida de pessoas em todo o mundo. Ouvi uma história sobre um prisioneiro americano no corredor da morte que se converteu graças a Santa Bakhita. Você poderia nos falar sobre isso?
Irmã Severina: Sim, há um prisioneiro no corredor da morte, em Oregon. Esse homem estava desesperado, e um dia encontrou, na porta de sua cela, uma carta de uma senhora suíça, que, como hobby, procurava na Internet os nomes das pessoas condenadas à morte. Ela lhes escrevia para dar um pouco de incentivo. O preso, Jeffrey, viu a carta e, por um tempo, não se ocupou dela, mas no final, pegou-a com a intenção de jogá-la no lixo. Mas a carta caiu fora do cesto de lixo. Então, ele a pegou novamente, abriu-a e leu que esta mulher o amava e que Santa Bakhita também o amava. Ele começou a se perguntar quem seria essa Bakhita. Tentou ignorá-la novamente, mas não encontrou a paz, então escreveu a esta senhora, perguntando-lhe sobre Bakhita. Ela lhe enviou um folheto com a história de Bakhita. Ele ficou tão impressionado com o que essa menina passou, com a sua capacidade de perdoar e ter sucesso em sua vida que, pouco a pouco, algo mudou dentro dele. Pediu para ser batizado e agora quer fazer algo pelo Sudão. E assim, da sua pequena cela, ele escreve cartas. Iniciou um projeto que incentiva as ajudas às crianças do Sudão.
– Ouvi dizer que ele escreveu mais de 600 cartas, é isso?
Irmã Severina: Sim, ele escreveu mais de 600 cartas. É também um artista. Então, ele está criando obras de arte para vender, para este fim. Também ajudou na conversão de detentos e está tendo sucesso. Acho que este é um dos maiores milagres realizados pela Irmã Bakhita.
– Que importância tem Santa Bakhita para o povo sudanês?
Irmã Severina: Santa Bakhita é, primeiro, um sinal e uma fonte de orgulho para o Sudão e seu povo. Bakhita é a primeira santa sudanesa. Ela foi uma escrava. Foi uma mulher. Sua fama se espalhou pelo mundo inteiro. Revelou ao mundo o melhor de seu povo e atraiu a atenção do mundo sobre os problemas e a situação no Sudão.
– Quando você fala ao povo sudanês sobre a irmã Bakhita e o perdão aos inimigos, é algo que podem acolher em seu coração, à luz de todas as dificuldades enfrentadas no Sudão?
Irmã Severina: Eu acho que sim, porque Bakhita é verdadeiramente sudanesa. Os sudaneses a amam muito porque ela revelou o melhor do seu povo. Quando cheguei ao Sudão, foi uma época de terrível luta e sofrimento. Eu mesma não aguentava e, quando perguntava ao povo “como podem suportar esta situação?”, as pessoas diziam: “Irmã, não somos os derrotados. Nós somos os vencedores, porque nós sofremos sem procurar vingança. Essa força interior que nós mostramos é o que vence os inimigos”. Esta é a força que encontramos na irmã Bakhita, e agora no seu povo.