A páscoa do futuro

Padre Hamilton2.jpgPor mas ateizada que esteja a sociedade em nossos dias, sob um pretexto ou outro ela se deixa tocar por algumas festas religiosas, como Natal ou Páscoa. E não apenas nos aspectos comerciais de que o nefando consumismo as reveste, mas nos seus aspectos espirituais mesmo. O tesouro infinito das graças compradas pela Redenção continua a sustentar as almas. É o que se nota em diversos países, onde as manifestações dos fiéis fervorosos se revestem de aspectos singulares; por exemplo, na Espanha.

 

É difícil não se encantar com os magníficos pasos da Paixão do Senhor. Vê-se nos múltiplos andores que saem às ruas nos dias da Semana Santa um acumular de arte sobre arte, um desejo de aperfeiçoar as expressões de piedade e afeto, de requintá-las, de torná-las reais. Sim, torná-las reais. Pobres homens do século XXI! Não percebem que para tornar reais as demonstrações de apreço pelo sobrenatural devem procurar a chave no seu próprio interior. Aí, ainda que com poucos recursos, consegue-se tudo. E quando os meios materiais não faltam, o que se pode obter? Mas a alma do ganancioso homem destes dias está por demais ocupada com aspectos materiais: precisam ganhar dinheiro para viver, cuidar da saúde para ganhar dinheiro, divertir-se para não se cansar de ganhar dinheiro, organizar-se, estudar, debater, promover a arte para criar os meios para gastar e reaver o tão famigerado dinheiro. É em função deste vil elemento que vive – e se perde – a tão desenvolta e culta sociedade moderna.

Por contraste, considere-se a Semana Santa em um distante rincão da África, um lugarejo perdido no mato, pobre e inculto. A igreja não é mais do que uma choupana, provavelmente sem bancos. As imagens, quando existem, são do mais elementar artesanato. Ornatos, perfumes de incenso, flores, são luxo raro. Mas, então, como realizar as sagradas cerimônias de Semana Santa, se faltam totalmente os meios materiais? Encontrando quem se disponha a vivê-las antes na alma do que no corpo. E existem pessoas assim. Foi o que se viu através de algumas fotos de um dedicado apostolado feito pelos Arautos do Evangelho em Moçambique. O mais luxuoso do ambiente eram os paramentos sacerdotais e os hábitos dos Arautos que, como sempre, exprimiam seriedade, dedicação, desapego, alegria, virtude. O restante era um povinho exultante de contentamento, dignificado pelos mistérios que celebrava, estuante de esperança implícita em seus generosos sorrisos.

Um outro aspecto da Semana Santa se pôde observar, também através de reportagens fotográficas, na província de Sucumbíos, Equador, atualmente sob os cuidados pastorais da Sociedade Virgo Flos Carmeli, dos Arautos do Evangelho. O piedoso público equatoriano literalmente vibrou de alegria nas cerimônias da Paixão e Ressurreição do Senhor, realizada em Nueva Loja. Neste lugar, já com alguns poucos recursos materiais, foram organizadas lindas cerimônias, dentro da mais alentadora ortodoxia católica, em que se notavam, no público presente, fervor, enlevo, desejo de servir, desejo de imitar e seguir Nosso Senhor Jesus Cristo e Sua Mãe Santíssima; e nas fisionomias infantis, além de inocência, muita determinação.

Mas, o suprassumo das cerimônias nesta Páscoa foi o que se pôde viver na Igreja dos Arautos do Evangelho, na Serra da Cantareira. Oh! Quão bom seria se uma multidão milhões de vezes maior do que a que se aglomerava na igreja nestes dias pudesse ter vivenciado a Paixão do Senhor como os que ali estavam.

Os comentários a respeito destes eventos dividem-se em dois grupos: os exprimíveis e os inexprimíveis. Destes últimos só poderão tomar conhecimento os que participarem no próximo ano e receberem as graças derramadas em profusão nessa ocasião. Quanto ao exprimíveis, para não afogarem o leitor por sua superabundância, serão considerados em sua ordem cronológica.

Na quinta-feira santa, dia da instituição da Sagrada Eucaristia, uma recolhida atmosfera de alegria e piedosa expectativa tomava conta dos fiéis, constituídos, na sua maioria, por membros dos Arautos do Evangelho e também por numeroso público da Paróquia Nossa Senhora das Graças.

A igreja estava impecavelmente limpa. O piso de pedras coloridas brilhava e, sobre ele, como sobre um espelho, se iniciou o cortejo de entrada. Era de impressionar o número e a compenetração dos sacerdotes Arautos. Só para assistir a este cortejo teria valido a pena estar ali. Com imaculados paramentos brancos, deslocavam-se mais ou menos como se imagina que anjos se deslocariam: com garbo, com recolhimento, com seriedade, e muita piedade. De seus lugares no presbitério concelebraram a Santa Missa, a que o riquíssimo cerimonial desenvolvido pelos Arautos deu um brilho extraordinário.

Toda a movimentação de acólitos, leitores, diáconos era feita com muita leveza, mas, ao mesmo tempo, com certas características que bem transmitiam o desejo que esta família de almas tem de ser Igreja realmente militante. A palavra chave da tocante homilia foi a consideração do sagrado dito de evangelista, comentando Nosso Senhor “E tendo amado os seus, amou-os até o fim.” E o sacerdote repetia comovido várias vezes: “Até o fim vos seguiremos, Senhor! Até o fim!”

Padre Hamilton3.jpgO mais tocante, porém, ocorreu ao final da celebração, quando, após a transladação do Santíssimo Sacramento ao Monumento – que, aliás, constituiu um capítulo a parte, com o Santíssimo levado sob uma rica ombrella precedida por dois turiferários que caminharam de costas o tempo todo, incensando continuamente o Rei dos Reis -, ao voltarem, iniciaram a desnudação dos altares. A luz das doze tochas que tinham acompanhado o Senhor foram apagadas uma a uma, o turíbulo foi apresentado vazio, os castiçais e toalhas foram retirados, e se passou do auge dos cânticos de alegria, magistralmente entoados pelo coro e orquestra dos Arautos, para o silêncio das vozes e o som fúnebre da matraca. Iniciava-se a Paixão.

Esperava-se para a Sexta-feira Santa uma homilia que lembrasse a todos os sofrimentos do Redentor, os deveres daí decorrentes, etc., como só ia acontecer nesta augusta ocasião. Mas a sensibilidade mística dos Arautos deixou diretamente à graça divina esta função. Para dar ocasião à ação da Providência nas almas, organizaram uma belíssima apresentação da leitura da Paixão, cantada no melhor e mais autêntico gregoriano por um grupo de seminaristas e sacerdotes Arautos. E Deus fez a Sua parte. A graça tocou realmente as almas, e em muitas fisionomias as lágrimas foram testemunhas disso.

Muitos outros aspectos haveria que comentar: a prosternação do jovem sacerdote ao início da cerimônia, momento em que ele intercede, pedindo perdão pelos pecados de todos, o descerramento do grande Crucifixo, acompanhado do eloqüente cântico “Eis o lenho da Cruz, do qual pendeu a Salvação do mundo…”, que convidava à adoração, e, ao mesmo tempo, a abraçar a cruz individual… e tantos outros que ficam na memória e no coração.

Esta atmosfera de convite à santidade, à entrega radical a Deus, à união a Jesus sofredor para o resgate do mundo, perdurou durante todo o sábado, em que a igreja, de luto, esteve fechada. Na noite deste dia, porém, com a cerimônia iniciada em meio a trevas, um eloqüente sermão versando sobre a incondicionalidade do católico em nossos dias, para assemelhar-se inteiramente ao Divino Redentor, teve como cadre perfeito uma artística profusão de flores e velas que adornavam o presbitério.

Padre Hamilton1.jpgGaudium magnum annuntio vobis! Foram as palavras ditas pelo diácono ao celebrante. E esta grande alegria foi sentida por todos os presentes. Cristo ressuscitou realmente, aleluia! Ah! Que suspiros de alívio! Que gáudio autêntico! Que felicidade! Será que alguma vez na vida os ateus ou os ímpios chegam a experimentar profundamente estas consolações?

Dos sermões do tríduo da Paixão, três palavras ficaram: “Até o fim, Senhor, até o fim vos seguiremos”, “Tudo está consumado.” “Incondicionalidade”. A Providência tinha cumprido sua função. A mensagem foi dada. Cumpre aos fieis, agora, aproveitar-se dela.

Igualmente, das três contemplações sobre a Paixão e Ressurreição do Senhor feitas aqui, podem-se tirar três elementos para o futuro da Igreja e do mundo: da Espanha, a requintada arte religiosa, da África e de Sucumbios, a sede do maravilhoso, do bom, do belo, do verdadeiro que ainda há nos povos, e das cerimônias nos Arautos do Evangelho, a pureza da doutrina revestida do mais atraente universo de símbolos, e alicerçada na autenticidade de uma vida de virtude, de desinteresse pessoal, de amor profundo e sincero por Cristo e por Sua Igreja. Que possamos, pelo bem das almas e pela glória de Deus, ver realizada, o quanto antes, a soma destes preciosos elementos, para que o Sangue de Cristo, generosamente derramado sobre o mundo, seja totalmente aproveitado.

Elizabeth Kiran

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